O Som da Dor
- Nadir Weller
- 17 de set. de 2022
- 3 min de leitura
Atualizado: 19 de fev.
Sim, há necessidade de silenciar em tempos e tempos. Quando escrevo é uma das formas mais serenas da minha expressão. vou bordando a dor, colorindo gotas de lágrimas em tons de nuvens em suas estações. Como a dança e a música, meu corpo se move sobre o sagrado mistério de expressar a alma. Às vezes toco e danço sem ritmo. Dependendo do meu desenvolvimento cognitivo, eu acerto os passos mas isso não é sempre e também não importa.
Os sons vão se harmonizando de acordo com o movimento das minhas mãos ou qualquer parte do corpo que se permite mover. Retiro sons de tudo, folhas caindo, tambor, pedras, águas, tudo canta! Os sons e ritmos se organizam de acordo com a mente. Eu nunca preciso ser perfeita, eu preciso ter coragem para tocar e dançar até que em algum momento consiga ver as notas musicais dançando e se aconchegando umas às outras em um grupo de harmonização.
Às vezes sinto como se estivesse tocando e dançando em um vazio negro. Como se já tivessem passado 4 bilhões de anos e a Terra não existisse mais e ninguém me ouvisse.
"E aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam escutar a música"(Friedrich Nietzsche)
Era um sábado de verão, um dia depois da morte do Jüergen. Estava andando no corredor da clinica sem saber direito para onde iria. Entrei devagar na sala de terapia musical. Havia um grupo de 5 pacientes. A Terapeuta musical Senhora Merlau, estava envolvida em sons e um pouco enlouquecida como quem procura por algo perdido apressadamente. Tirava notas musicais de vários instrumentos, sem ritmo, sem planejamento, apenas extraia sons. Sentei silenciosa próximo a um Djembé e comecei a tocar. Ela levantou a cabeça e falou surpresa erguendo as sobrancelhas e fixando os grandes olhos azuis em mim: "- Senhora Weller. Wie geht es dir?" Ela perguntou em alemão e as lágrimas escorreramem minha face. "Ah, ok, continue tocando" Ela disse.

Eu fazia o Djembé soar a minha dor. O ritmo das minhas mãos sobre o couro ressoava como uivos de um lobo em noite de luar.
Às 8:30 da sexta Jüergen parou de respirar. Pensei: Dez horas antes eu tinha sentado à beira da morte, atordoada pela quietude do adeus. A morte tinha um cheiro doce no corpo de Jüergen. Era salgado em sua pele ferida e pálida, áspero em sua respiração ofegante. A morte pairava nos longos silêncios após cada expiração, mas era a única saída para o sofrimento. Havía lido poemas e feito orações durante dias no seu leito. Tínha esfregado seus pés com óleo e acariciado seu rosto.
Eu não poderia ir com ele e não sabia como poderia ficar. Ele dizia antes de morrer: "Vamos viajar comigo" Eu perguntava para onde ele estaria indo. Dizia o nome dos paises que ele mais gostava de viajar e ele riu, riu várias vezes um riso doce e sereno da minha brincadeira de adivinhar. "Ha, ha, Itália - ele ria. Espanha, Marrocos, Áustria e finalmente... Suspiro profundamente:" - Céu?" Então ele riu de um jeito terno e carinhosamente falou: - Você é uma idiota. E eu perguntei : E você? Ele disse: "Ich Auch" Eu também em alemão. Nós usávamos este pequeno diálogo quando brigávamos sem motivo. Mas sei que ele ficava muito zangado quando eu recusa a ir com ele para algum lugar onde ele queria minha companhia.
Sua respiração continuava fraca, em alguns momentos ele apontava o lugar da dor e gemia um "Ai" cansado. Seus olhos perdidos naquele limiar misterioso entre a antiga vida e uma nova. Jüergen nunca parou de lutar. Era um guerreiro ferido em sua última batalha. Então ele fez sua última viagem.
A Senhora Merlau tocou lindamente a canção do Bob Marley "No Woman No Cry" Eu dancei a dança da dor e cantei a música em português. Essa era a forma de expressar na línguagem universal da arte, os sentimentos.

Sim, porque ele amava músicas e artes. Ele gostava de me ver dançar.
A Terapeuta encerrou a atividade e ficou muito tempo abraçada comigo. Eu chorava no seu ombro e ela no meu. Naquele instante todos os vários instrumentos musicais silenciaram. As notas dos nossos soluços ecoavam melancólicos pela sala acústica.
“Quando o amor chega, além da morte, o ar está cheio de alguma coisa.”
Parabéns! Vc é muito inspiradora, tenho admiração pelo seu trabalho. Vc e show. Deus lhe abençoe sempree