“Vou ficar até o fim”, disse a Jüergen quando nos encontramos às margens do Rio Salzach na cidade do Grande Mozart em Salzburgo. Sabíamos o que significava “o fim”, mas não sabíamos quando chegaria.
Jüergen decaiu rapidamente neste mês. Precisou de sedação pesada e foi levado para o hospital, depois para uma casa de repouso.
As mudanças foram tão bruscas para nós, até mesmo um pouco violentas. Eu estava sobrecarregada e cansada. Tentava ser a melhor, esposa, enfermeira, cozinheira, faxineira e fui esquecendo que eu estava adoecendo também. Noites sem dormir enquanto socorria Jüergen nas crises de pânicos e delírios. Durante o dia o meu apartamento estava sendo frequentemente aberto para atender médicos, enfermeiras e assistência social.
Ia às compras, levava descartáveis para reciclagem, cuidava das roupas, correspondências e todas as demandas que exigiam mais e mais de mim.
Jüergen se enfurecia com o estado em que se encontrava, orava, chorava e lutava para se apegar a qualquer coisa que pudesse salvá-lo. Me culpava por tudo e ao mesmo tempo tinha vergonha de se mostrar. Jüergen nunca soube lidar com o amor e achava que expressar amor seria admitir-se fraco. Mas me amava profundamente de um jeito que só ele compreendia.
E, nos últimos dias eu tentava compreender e perdoar o seu jeito louco de lidar com a finitude. "Jüergen, não estamos em uma guerra, não existem bons e vilões, todos vão partir" Ele dizia: "Vou lutar" Sabia que ele tinha lembranças traumaticas da guerra e da reconstrução da Alemanha. Ele é de Leipzig na Saxonia ao leste da Alemanha. A sua cidade natal é reconhecida como "Cidade Coragem" por tudo que lutou pela reunificação da Alemanha. A cidade é um centro histórico de impressão de livros e comércio. Além disso, é o lar de uma das mais antigas universidades e das mais antigas faculdades de comércio e música da Alemanha. A cidade dos músicos e escritores. Suas raízes estão lá e suas características marcantes.
Fui visita-lo no hospital depois que acalmei meu coração da bagunça que ficou com tanta mudança. Foi preciso coragem para perdoar e entender. Levei salada de frutas e frutas frescas. Estava muito calor e enchi um box com gelo para que ele tivesse acesso a água gelada .
Segurei sua mão e disse que estava ali para ele e sempre estaria. Que ele não tivesse medo. Seu corpo estava muito ferido e seus poros dilatados sangravam. Entreguei a Bíblia para ele ler. Orei com ele e o cobri com um pano de seda branco e preto do xale que ele mais gostava.
Como ele queria lutar, começou a ter inspirações dos seus designer de moda, profissão que desenvolveu em metade da sua vida. Parecia que queria recuperar o tempo perdido nos seus desenhos. Uma total força para conseguir ficar... "Ainda tenho muito a fazer, me deixe ficar" ou "Eu devia ter feito mais" Ele fez alguns designer de roupas e malas e escreveu :
[01/08 18:20] Nadir Weller 🌷: Eu poderia chorar de felicidade. Desenhei essas roupas para você.
No meio das roupas de inverno, Parka com capuz e calça jogging solta.
Além disso, botas de couro usado macio. À direita um top de quimono. Um sarongue combinando com botas de couro da Fiorentini & Baker. À esquerda, look urbano feito com jaqueta de lã macia. Além de uma calça jogging. Por baixo de um suéter largo de malha
Sim, era tempo de compaixão e toda a nossa humanidade estava exposta ao grande segredo da vida.
Essa foi a sua última postagem no Instagram. Como escritor, ele desenvolveu um Instagram com 6k e postava suas reflexões, suas viagens e textos mas nunca sua vida privada. Suas redes sociais pareciam um sonho do que ele desejava ser e como ele podia expressar as beleza no mundo.
“Você vai descobrir,” Jüergen disse, gentilmente me puxando para um abraço. Ele não estava interessado em tomar decisões sobre minha vida após sua morte. Ele confiava em mim e não tinha interesse em planejar seu funeral ou meu futuro. Eu não lidei com as finanças e me preocupava com esse total despreparo para a burocracia alemã.
“Eu não posso ficar em casa sozinha,” eu disse. “Eu deveria me mudar para o Brasil, não sei como começar... ” argumentei com ninguém além de mim. “Só não sei onde mais quero estar.”
Então cada um ficou no seu lugar de destino e por consequência nos separamos antes do fim. Juergen está em uma casa de repouso agora e algumas vezes quando está consciente me liga e me envia mensagens.
Fui visita-lo no domingo e entendi perfeitamente as palavras inconsequentes da mulher de Jó.
Simplesmente tão tocante e tão triste...